sábado, 6 de junho de 2009

Sobre o verão, o inverno e sobre não estar só









sobre aquarelas

as chuvas por aqui (na doce e insuportável Fortaleza). e no sudeste, tudo parece estar gelado. literalmente. e é assim que a gente começa a falar em verão. quando digo "a gente", me refiro a nós, desocupados que curtem moda e flutuam meio palmo acima do restante da mediocridade. tudo soberba, é claro. afinal, a moda não serve para isso mesmo? para fingirmos que somos diferentes, iguais, superiores, inferiores, com substância, profundidade e volume?

bom, daí que chegamos a este ponto: sucessão de tardes cearenses com céu cor de chumbo; no rio, agasalhos para receber desfiles de biquini, transparências e tecidos levinhos feito nuvem.

e muitos tons pastéis. é claro que digo isso com a urgência de uma ejaculação precoce: mal acabo de ver o desfile da maria bonita extra no gnt e já imagino como seria incrível um verão daquele jeito. lisérgico e formal ao mesmo tempo. simples e complexo. alegre, mas sem efusão. como um cochilo no meio da tarde; ou uma refeição temperada no ponto; ou um cafuné antes de dormir. Tudo em cores de chá: lavanda, boldo, cassis, frutas silvestres. Uma moda com cara de mulher adulta, balzaquiana mas nunca careta. Uma mulher que lê bons livros, enlouquece sozinha e não perde a pose. Lembro de Korina, lamento sua ausência, lamento seu timming. Lamento o que a gente deixa de ganhar por pura tirania da acomodação.

e, de volta à maria bonita extra, tudo me pareceu marc jacobs. aliás, ultimamente, as referências estão cada vez mais recorrentes e menos originais. e quer saber? amo isso. gosto da repetição maquiada. gosto do simulacro e do pastiche. quem me conhece, sabe. sou novidadeiro até certo ponto. por isso, amo moda.

por isso adorava sofrer com o frio dos desfiles no meio da rua e ficar imaginando que aqueles modelos todos lindos-magros-com-dentes-perfeitos-e-playlists-fofas na verdade não sentiam nada. só o calor do próprio corpo.

adorava ver o verão surgir no meio do inverno paulistano. ironicamente, o que mais me marcou foi o inverno de Marcelo Sommer (que ano foi aquele? dei uma googlada: 2 de fevereiro de 2004) no histórico desfile da rua augusta. era meio-dia e o sol torrava. soube-se depois ter sido aquela a manhã mais quente do mês. e, do interior da loja, ao som de um coral cantando burt bacarach, saía a coleção linda, de tecidos pesados, verdes, xadrezes... e eu (na época usava chapéu) saí numa ilustração do filipe jardim, no dia seguinte, no journal do spfw. acho que era eu: mesma roupa, ao lado de uma sombrinha amarela... missinti! mas nem tive lá com quem repartir essa inglória egocêntrica.

e cá de volta, fortaleza mofando em buracos... o pier mauá espantando o frio carioca... corpos conversando com sereias valquírias, três quilômetros abaixo das ondas, perto de Noronha... e TH nas alquimias da cozinha enquanto eu uso uma garganta inflamada como desculpa conveniente pra preguiça, o que me gerou uma série de regalias: hoje, por causa do programa da nigella, almoçamos lula ao sal e pimenta com um arroz bombator, cheio de legumes e queijo. agora à noite, um sanduíche empanado de muzzarela. uau! a vida pode ser incrivelmente decente quando se tem a companhia certa.












sobre panelinhas e boas surpresas

como deve ser bom estar em um lugar cercado de gente boba, capaz de coisas como a turma do lycee la martinière diderot, em lyon, no vídeo dirigido pelo mais novo amigo de ouvido, lorenzo papace. cheguei lá por causa de seu lindo projeto Ödland, devidamente downloadeado. Imagine yann tiersen + cocorosie e pronto! O vídeo em que a banda se apresenta é uma jóia de simplicidade, fofura e, porque não, o toquezinho nonchalance que tanto persigo.

Enfim, faça o mesmo: suavize e bote um pouco de tons pastéis nesse quadro acinzentado que você costuma chamar de rotina.








sobre a sida

Não tem como não se empolgar com a campanha Fashion Against Aids, da H&M, com uma pá de gente bacana. Da Robyn (a melhor guest vocal dos últimos anos) à hormonal Kate Perry (que eu particularmente acho mais interessante como persona do que como artista), a campanha tem ainda a querida Roysin Murphy (saudade de coisa nova), Yelle e Cindy Lauper, entre outros hypes. Tudo fresh, cool e bem-humorado. Esqueça o hype ou o apelo sanitário. A ação, por si só, já vale a adesão.

(...)

Só pra criar um link, experimente a coletânea Red Hot & Blue, só com versões contemporâneas (se bem que já faz 19 anos que o disco foi lançado) de Cole Porter. Incrível e tem tudo a ver com o tema, já que a Organização Red Hot destina o lucro das vendagens para a luta contra a maldita. Enfim, compre, pirateie, divulgue, ou simplesmente veja isto só pra ficar com vontade.














sobre o domingo

Quisera passar o domingo, todos os domingos, vendo filmes do Tati.


sobre um pequeno idílio existencialista

"O que eu gostaria de fazer: um filme em que os actores estivessem num espaço vazio para que o espectador tivesse de imaginar a sustentação dos personagens."
Antonioni

(...)

Sobre a saideira do post de hoje, a foto abaixo: www.maisonmartinmargiela.com

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sobre a arte de ser impopular










Sobre mim mesmo

Virei um blogueiro bissexto. Pronto! É fato!

Nem mesmo os hormônios criativos de TH, todo cheio de ânimo e gás em torno de seu "Walkin' on a Dream"; nem mesmo as sagradas visitas aos blogs de música e cultura; nem mesmo a rotina de pedir a benção aos redutos virtuais de boa informação; nem mesmo isso me tornou capaz de manter, com zelo, meu blog atualizado.

Mas, o bom disso aqui é que subverter regras não me torna exceção. Portanto estou de volta, com o velho excesso de vírgulas e a boa verborragia capricorniana pedante e à toa.


Sobre meninos, não sobre lobos

Então, aí ontem fomos dormir embalados pelos planos-seqüência absurdos de "Paranoid Park". Estava a fim de ver pra conferir o quanto o filme tinha de Larry Clark.

Sempre gostei da maneira dedicação quase pornográfica com a qual estes caras retratam a brand new lost generation americana das grandes cidades.

Pois bem, tem muito pouco de Mr. Clark. E muito de Mr. Van Sant, graças. Recomendo (apesar de ter dormido) para quem procura compreender a origem dos desentendimentos consigo mesmo. É sempre bom saber que tem mais gente fodida e sem sentido no mesmo barco. No caso, na mesma bacia de skate. Ou seja lá o nome que dêem praquela estrutura. Tô com meda do Google.

Sobre filmes que a gente não vê

Já me acostumei a pegar filmes e devolvê-los sem ter conseguido assistir. Aconteceu de novo neste carnaval. Diacho. Na verdade, nem rolou assim tanto arrependimento. Consegui terminar o "Barry Lyndon" (e me redimir com Kubrick, porque eu tava em falta). Mas nem peguei no "Control" e não me perdôo. Sou apaixonado pelo Corbijn e além disso queria muito entender direito o pau que rolou naquela época, com o Ian se picando, o Joy Division ainda podendo salvar o mundo e eu, sei lá, correndo de cueca com 4 anos de idade. Talvez, próximo feriado. Sei...

Em todo o caso, o vídeo que deixo, hoje, é o insuperável e terrível Atmosphere, que o próprio Corbijn dirigiu, em 1988, usando fotos do já falecido Ian e figurantes com pinta de Ku Klux Klan.





Retomando, Barry Lyndon é realmente foda. É incrível, arrastado, lindo, cada frame é uma tela romântica. Fala sobre o que mesmo? Hmm... sobre as conveniências da vida em sociedade? Hmm... ou sobre o quanto cruel o destino pode ser para quem escolhe o caminho da mediocridade? Belo filme. É chato, mas nem tanto. E vale a pena atravessar suas mais de 3 horas (tem até a clássica telinha negra de "Intermission", que eu acho luxo de primeira).

Ah, e vi também o “Eraserhead”, finalmente. E o filme é tão escroto de hermético que acho que o DVD deu pau antes do final e eu fiquei na merda, sem saber se ele termina naquele ponto mesmo, ou se continua. Porque sentido, pra mim, não ia fazer mesmo, nem se entrasse a Sue Johanson no final, com legenda e tudo pra explicar sobre as fixações mórbidas do cara. Não entendi nada, claro. Mas acho importante ver certo tipo de coisa. A gente não é obrigado a ler Visconde de Taunay no colégio? A gente não é obrigado a fazer catecismo? Então. Ver “Eraserhead” é o tipo de coisa que te torna mais digno, praticamente um sobrevivente a um pequeno holocausto cultural. Vou adorar encontrar numa roda alguém que, como eu, ame Lynch só pra poder dizer: "não entendi PORRA NENHUMA".

Do mesmo Lynch, três coisas para assistir antes de morrer (com risco de ir para o limbo do povo sem lá muita coisa interessante pra conversar):

a) Mulholland Drive - porque tem o Club Silencio.
b) Lost Highway - porque tem "história com virada", que eu adoro.
c) Blue Velvet - porque tem doido fazendo coisa que a gente bem que queria ter coragem de fazer, também.














Sobre pensar positivo, garoto enxaqueca

A verdade é que já fiquei velho demais pra uma porrada de coisa desimportante.

Política, por exemplo. Hormônios. Sociologia de calçada. Antropologia de boteco. Ética de esquina.

E já fiquei velho demais também pra achar bonitinho ou gracinha tudo isso aí. Na verdade, não acho engraçado. Nem bonitinho. Acho chato, mesmo.

Ver que as pessoas continuam discutindo sobre as mesmas "grandes questões humanitárias". Parece que tudo é uma repetição dos meus dias de tédio mortal no banco da faculdade em 1996. Ou de qualquer banco de qualquer faculdade em 1968. Tudo é uma infindável repetição de clichês.

Sei que é assim. E que há um ciclo que se sustenta exatamente tendo como base a repetição de um mesmo ato. Mas não quero mais fazer parte disso. Tenho saco não. E acho cafona.

Ir contra o clichê é uma questão de sanidade. Sou a favor do clichê, mas do clichê aberto, sem autocomiseração, brega e barulhento!

Engraçado ver que os maiores críticos dos clichês sociais são exatamente isto: borrões impressos em papel jornal. Clichês, portanto. Não me venha falar de instituições seculares como se fossem problema nosso. Rapaz, a gente já tá em outra carroça! Faça-me o favor!

De volta à estrada (se recompondo), subimos para o frio de 17 graus (cá na África, um gelo!) com TH a bordo e mais dois amigos. Colegas, na verdade. Um casal, mais na verdade ainda. E o que devia ter sido uma incrível e divertida jornada tornou-se um enfadonho duelo tácito entre Casal A, calado, tentando ouvir um pouco de boa música e Casal B (pra dizer bem a verdade, quase-casal) tentando com todas as forças acreditar que o futuro existe pra ser dividido ao meio, recheado de chocolate e comido às pressas.

(PS: também fiquei velho demais pra ser polido, até porque, acho todo mundo legal, até que me prove o contrário. E se esta pequena porção de textos existe pra ser uma crônica mesmo, que seja, oraporra!)

Curioso é a gente se ver repetido em versões de 19 anos. Porque, acredite, você se torna exatamente tudo o que passa a vida inteira tentando lutar contra. Eu virei meu próprio antagonista. Meu personal-fuckin'-dijsas. Você irá no mesmo caminho, não se iluda. Acho que a graça disso tudo é saber que a vida inteira é uma puta irônica. Pagou, gemeu, gozou.

TH não gosta muito de palavrão. Considera, quase sempre excesso.

Já eu gosto. E subir a serra com as pessoas citadas serviu pra isso: pra me colocar no meu lugar e dizer, em voz baixa "fique na sua. Você já foi como eles. E, se duvidar, daqui a pouco vai voltar exatamente ao mesmo lugar."

Talvez seja sobre isso que Nietzsche falava. Sobre a luta perdida contra o próprio retorno. Mas eu nem sou leitor do sujeito. Não posso ir além deste ponto. E, por ontem, obrigado à dupla que subiu conosco, os degraus da serra. Sem ironia, juro. Apesar da dificuldade em expressar a palavra falada com a mesma empatia da palavra escrita. Foi bacana ter ficado a sós com TH, mesmo tendo mais duas pessoas no carro. Ser motorista nos possibilita, sempre, uma visão privilegiada das coisas.


Sobre o tempo

Fico pensando quanto tempo deve ter demorado o Proust pra escrever seu "Em busca do tempo perdido". Provavelmente menos do que eu para ler. Não consigo nem retomar meu Thomas Mann – fiz tanto doce pra ganhar “A Montanha Mágica”. Vergonha em admitir a preguiça, mas ando meio lento, pra leitura, inclusive. Deve ter algo a ver com metabolismo. Na verdade, cada novo livro tem se tornado mais penoso de ir até o fim. Não interessa o quanto bom seja. Já comecei a queda vertiginosa para o abismo do início da meia-idade. Período em que o cinismo passa a ser o único modo de vida em sociedade. cada vez mais entendo queridos como o Mersault ou até mesmo o Holden criado pelo Salinger - nem lembrava mais do nome do sujeitinho sem destino. Taí outra merda: esquecimentos cada vez mais presentes. além da lerdeza, além da intolerância, cá estou eu me esquivando das falhas de memória.

Fiquei velho. vou ficar. já fui.


Sobre o passado recente

Escrevi isso semanas atrás. Lembro exatamente o momento: manhã sem graça, início de trabalho, descobrindo com júbilo e gozo que o Empire of the Sun finalmente havia lançado vídeo novo.

Aí, escrevi, mas não postei. E boto aqui, o arquivo na íntegra, sem adendos ou cortes.

(...) Isto é a morte. (...) Nosotros somos la gente (bom título para o texto. Merda! TH escreveu primeiro...) Finalmente um bom motivo pra voltar a esta esquina empoeirada. Imagina esperar (o que, 2, 3 meses???) por um video absurdo que nunca estréia... Imagine viajar dois mil quilômetros pensando em uma só trilha sonora e descobrir, numa manhã de chuva nesta terrivelmente ensolarada cidade, um e-mail dizendo "The brand new Empire of the Sun video for We Are The People". E imagina terminar uma manhã com o maior espírito de recomeço. Sopro de ar fazendo o sangue correr mais rápido nas veias. Ai, ai, ai... E o que fazer com a vontade de jogar tudo pro alto e sair correndo atrás de algum Shangri-La perdido no meio do deserto mexicano? De voar em busca da morte para saber que o que há por trás dela é vida pura? Pulsante, multicolorida, mutante. Estão lá todos os signos que, de certa forma, ando perseguindo: imagens poderosas sobre a imensa irrelevância (o deserto); sobre frustração (a bicicleta enterrada de rodas para cima); o idílio
(...)

Acaba assim, de maneira irônica e sem ponto final: "o idílio".

Pois bem, de volta uma outra vez. Tentando sair de uma gripe. E parece que a vida inteira é somente isto: eu, tentando sair de uma gripe.